18.12.07

O imparável fenómeno Jacob Zuma

Toda a República da África do Sul parecia ontem à noite suspensa dos efeitos imprevisíveis de um grande tsunami chamado Jacob Zuma, cuja eleição para a presidência do partido maioritário era dada praticamente como certa. No entanto, as horas iam passando e continuavam sem se saber o resultado da contagem que o opusera ao Presidente Thabo Mbeki, cujo mandato à frente do Estado termina em princípio dentro de um ano e meio.
O secretário-geral do ANC, Kgalema Motlanthe, anunciara ao princípio da tarde que os resultados da votação para os principais cargos do partido seriam conhecidos a partir das 18h00 locais (16h00 em Lisboa). Mas às 20h ainda nada era sabido, limitando-se toda a gente a especular sobre se o eventual novo Presidente da África do Sul poderá ou não ser um “novo Mugabe”, como em Londres se interrogava o Times.
Interrogado em Lisboa pelo PÚBLICO sobre as perspectivas de uma vitória de Zuma, o director do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais, Fernando Jorge Cardoso, declarou “não ter uma visão catastrofista” quanto a essa hipótese, apesar de todas as clivagens que têm vindo a ser patentes no ANC.
No seu entender, o candidato dado como favorito para a presidência do partido “não tem um programa radical no campo económico”, nem sequer um comportamento errático: “Não diz uma coisa num dia e outra noutro”.
A incerteza quanto à política que Zuma poderia vir a seguir, se ficasse agora na presidência do ANC e depois chegasse à chefia do Estado, tem causado calafrios a alguns investidores. Mas Cardoso falou de um “efeito Lula”, uma vez que o Presidente do Brasil tem sido muito menos esquerdista e mais pragmático do que se previa na altura da sua eleição.
O que tanto este analista como outros entendem é que, na eventualidade de Zuma ficar agora à frente do partido, a “recta final” da administração Mbeki seria cheia de tensões económicas, sociais e políticas. E colocar-se-ia a hipótese de o Presidente cessante tomar a “posição inteligente” de antecipar as eleições gerais, para diminuir as incertezas.
Fernando Jorge Cardoso recordou a actual subida do preço das matérias primas no mercado internacional; designadamente o oiro, de que a África do Sul é o principal produtor mundial. E considerou que isso poderá permitir a quem ficar à frente do país fazer “algumas flores”, como seria a realização de grandes obras públicas.
A Conferência Nacional do ANC iniciada dia 16 na Universidade do Limpopo, junto à fronteira de Moçambique, deverá terminar amanhã, depois de se conhecerem todos os elementos da nova comissão executiva e de se aprovar uma declaração formal, a sintetizar o trabalho de todos estes dias.
Um dos membros da comissão cessante, Ronnie Kasrils, ministro dos Serviços Secretos, anunciou ontem à imprensa a intenção de propor que se boicote o “Estado sionista de Israel”, um indício mais das inclinações esquerdistas e mais radicais dos quadros do ANC, um partido criado em 1912 e que desde 1994 se encontra no poder.
Para muitos no estrangeiro, como referia ontem o “Times”, “parece que o milagre da África do Sul acabou”, estando a nação ameaçada por uma grande tempestade, depois da relativa tranquilidade que se viveu durante os governos de Nelson Mandela e de Thabo Mbeki. E o articulista recordava que, como chefe dos serviços secretos do ANC durante os tempos da luta contra o apartheid, Zuma teria testemunhado ou autorizado “coisas muito sujas”, dizendo-se mesmo que os militantes suspeitos de espionagem não escaparam com vida.
Jorge Heitor

8.12.07

Pobre povo curdo, tão esquecido

O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que luta por um Estado de cariz socialista para o povo curdo, poderá estar em risco de divisão ao longo de linhas étnicas, sugerem recentes relatórios dos serviços secretos, lia-se este fim-de-semana na gazeta electrónica turca, em inglês,Today’s Zaman.
Recentes operações da Turquia contra as bases do PKK nas Montanhas de Kandil, no Norte do Iraque, revelaram lutas pela liderança dentro da organização, que os Estados Unidos e outros países consideram ser terrorista.
Membros do grupo naturais da Turquia estão a ser eliminados, intensificando-se a luta pela liderança entre Fehman Huseyin, natural da Síria, e Murat Karayilan, nascido em solo turco. Este último, que chegou ao cimo da hierarquia do PKK depois da captura do líder histórico Abdullah Ocalan, em 1999, fortaleceu a sua posição quando o irmão de Abdullah, Osman Ocalan, também foi eliminado do grupo.
O seu único rival era Cemal Bayik, mas o problema foi resolvido quando os dois homens decidiram cooperar, essencialmente porque Husein, líder dos curdos sírios do PKK, entendeu proclamar-se chefe do grupo. Distribuiu até uma declaração a dizer que assumira o cargo e a prometer o regresso do velho espírito combativo do PKK, criado na década de 1970 para defender os interesses de um povo muito antigo.
Na sequência disso, os curdos sírios e os curdos turcos que há no movimento estão agora a competir pela influência no mesmo. E os curdos iranianos do PKK, de um modo geral neutros, parecem inclinar-se para a facção turca.
Karayilan e Bayik não acharam nada bem que Abdullah Ocalan tenham incluído os curdos sírios na liderança da ala armada do partido, as Unidades de Defesa Popular (HPG). O curdo sírio Huseyin, que comanda os Falcões da Liberdade do Curdistão (TAK), parece por agora estar na mó de cima na luta pela liderança deste grupo cuja ideologia se baseia no marxismo-leninismo revolucionário e no nacionalismo curdo, a causa de um povo de mais de 25 milhões de pessoas que se distribui pela Turquia, Síria, Irão e Iraque. E que alguns historiadores julgam ser descendente dos antigos medos, cuja capital era Ecbátana, a actual Hamadã, 400 quilómetros a sudoeste de Teerão. J.H.