31.7.09

Entrevista de Malam Bacai Sanhá ao PÚBLICO

Presidente eleito da Guiné-Bissau promete combate sem tréguas ao narcotráfico

O Presidente eleito da Guiné-Bissau, Malam Bacai Sanhá, disse numa entrevista por email ao PÚBLICO, hoje, dia em que os resultados provisórios das eleições se tornaram definitivos, ter sido surpreendido, na hora da vitória, “com uma dose excessiva de emoção, que não conseguiu conter nem disfarçar". "Afinal de contas, os antigos combatentes também choram”, referiu Malam Bacai Sanhá, que tomará posse dia 8de Setembro.


O antigo Presidente interino de 1999/2000 gostaria de dizer que foi com naturalidade que encarou o triunfo sobre Kumba Ialá, “mas não foi". E explica: "O nível de ansiedade era bastante elevado, dado que já tinha experimentado grandes desapontamentos eleitorais [com as derrotas à segunda volta nas presidenciais de 2000 e de 2005].” Passada, porém, a fase da emoção, sentiu “o peso da responsabilidade dos números que lhe dão legitimidade e responsabilidade perante o povo, na mesma proporção”.

PÚBLICO - Confirmada a sua eleição, está pronto a trabalhar lealmente com o Governo saído das legislativas do ano passado?

Malam Bacai Sanhá - A lealdade e a fidúcia são pressupostos constitucionais do regular funcionamento das instituições da república que me caberá garantir. Não vejo quaisquer constrangimentos que possam condicionar o trabalho com o Governo de Carlos Gomes Júnior. Aliás, o Governo é nosso, é do PAIGC partido pelo qual fui candidato, por isso, ele terá o meu apoio pessoal e institucional para cumprir a legislatura, coisa que nunca aconteceu a um Governo constitucional.”

Pensa manter ou reformular o comando das Forças Armadas, chefiado pelo comandante Zamora Induta?

O nosso sistema é semi-presidencial, com um sofisticado equilíbrio entre as competências entre orgãos de soberania. Embora o Presidente da República seja o comandante em chefe das Forças Armadas, a escolha das chefias militares, nomeadamente o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, compete, em primeira linha ao Executivo. Assim, o manter ou substituir as chefias militares é uma formulação a ser proposta pelo Governo. E qualquer juízo meu antecipado sobre essa matéria, pode condicionar a acção do executivo, o que não gostaria de fazer

Como deve a Guiné-Bissau lidar com o problema da pobreza e dos salários em atraso?

A Guiné-Bissau não é um país pobre, é rico em recursos humanos e recursos naturais. É, isso sim, um país subdesenvolvido. O desenvolvimento do país é um desafio que requer o concurso de todas as forças vivas da nação. Por isso, estou empenhado em imprimir uma presidência aberta e de inclusão, onde todos, sem excepção, serão chamados a dar o seu contributo e assumir as suas responsabilidades. É esta a fórmula, é este o segredo do sucesso.

Como pode o país deixar de ser conotado com múltiplos tráficos, incluindo o de droga, mas também outros?

A conotação é uma questão de imagem. Se é verdade que o nosso país é vítima desse fenómeno [tráfico de droga], não é menos verdade que a qualificação de “narco-Estado” é exagerada. Estamos cientes da existência do problema e estamos empenhados em encetar-lhe um combate sem trégua. Contudo, o sucesso do nosso esforço interno não é suficiente porque, por um lado, não temos meios suficientes e, por outro, o problema não é um exclusivo nosso. Requer uma acção concertada com os países vizinhos e a comunidade internacional. Só assim poderemos minimizar o seu impacto global. A Guiné Bissau não é um país de consumo, é um dos países por onde também passa a droga. Vamos empreender um combate sem tréguas a todos os tráficos nocivos à sociedade e às instituições.

O Presidente e o Governo guineenses vão conseguir manter boas relações com Portugal?

Portugal não é um mero parceiro no concerto das nações, é um país irmão com o qual partilhamos um passado comum. Por isso, entendo que manter as boas relações é pouco ambicioso, vamos intensificar e reforçar as relações quer a nível bilateral quer no plano multilateral, nomeadamente nos fóruns internacionais em que podemos e devemos ter acções concertadas com benefícios mútuos para os nossos países e povos.

E como será o relacionamento com Cabo Verde?

À semelhança do que acontece com Portugal, Cabo Verde está intimamente ligado por laços de sangue com a Guiné-Bissau. Por isso, o sentimento de irmandade que nutrimos fará com que tudo o mais nas nossas relações venha por acréscimo.